Campanhas Globais para Sustentabilidade e Alfabetização Ecopedagógica (*)

Campanhas Globais para Sustentabilidade e Alfabetização Ecopedagógica (*)

(*) Uma entrada da Enciclopédia de Inovação Educacional (Springer Nature Singapore Pte Ltd.)
Editores: Michael A. Peters, Ph.D. & Richard Heraud, 2019
Seção: Alfabetização Ecopedagógica
Editor: Greg William Misiaszek Ph. D.
Universidade Normal de Pequim (NBU); Instituto Paulo Freire, UCLA.

Autores (**) – 15 ativistas sociais em 8 países – Argentina, Brasil, Bélgica, Canadá, Chile, Colômbia, França e Espanha:
Claudia Alvarez1, Madza Ednir2, Claudia Martinez3, André Gbedan4, Catalina Quiroz5, Eduardo T. Vitale6, Erika Licon7, Heloisa Primavera8, Howard Richards9, Laura Collin Hargundeguy10, Mariano Flores11, Melba Quijano12, Pierre George13, Silvia Fittipaldi14 e Willian Jairo Mavisoy Muchavisoy15, representando redes, organizações, universidades, movimentos que participam da Campanha por um Currículo Global da Economia Social e Solidária:
1 Rede de Educação Economia Social e Solidária, Buenos Aires, Argentina 2 CECIP, Rio de Janeiro, Brasil 3 Bienaventurados los Pobres, Catamarca e Santiago del Estero, Argentina 4 Universidade Católica de Louvain, Louvain-la-Neuve, Bélgica 5 York St John University, York, Reino Unido 6, Iandê, São Paulo, Brasil 7 Universidade Concordia, Montreal, QC, Canadá 8 RedLASES, Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina 9 Universidad de Santiago do Chile, Santiago, Chile 10Colegio de Tlaxcala, Tlaxcala , México 11Edualter, Barcelona, ​​Espanha Universidades para el Desarrollo da la Economia Social y Solidária, Bogotá, Colômbia 13,Fórum Social Mundial – Dinâmica de Extensão, Paris, França 14, Magic RM, CECIP, Rio de Janeiro, Brasil 15, Universidad del Cauca, Popayán, Colômbia
(**) Agradecemos a Aline Santos, da Universidade de Pelotas, RGS, Brasil, e Juan Pablo Salgado, da Universidad Politécnica Salesiana, Equador, membros da Campanha, por suas ideias, incorporadas ao texto entre aspas – respectivamente sobre a Economia Social Solidária como «um grande guarda-chuva que abriga diferentes concepções, com algo em comum …» e «indisciplinas criativas». Seus nomes não aparecem no texto porque o formato da Enciclopédia Springer admitia apenas 6 citações nominais, que devem constar nas Referências Bibliográficas.

Tradução para o Espanhol do original em Inglês: Catalina Quiroz, Universidade York St. John, Reino Unido, em colaboração com Monica Quiroz, socióloga.

Tradução para o Francês do original em Inglês: Heloisa Primavera, Rede LASES.
Tradução para o Português do original em Inglês: Rui Maricato de Souza, Oficina de Corte e Costura de Ideias-OCCI , São Paulo, Brasil e Madza Ednir, CECIP, Rio de Janeiro, Brasil e OCCI.

Introdução
A necessidade de educar para novas formas de interação entre seres humanos, outros seres vivos e seu ambiente natural começou a se fortalecer após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando se tornou evidente a dimensão do impacto negativo da atividade humana sobre o sistema Terra. As advertências dos cientistas, de que os recursos naturais e energéticos do planeta não poderiam continuar sendo explorados descuidadamente como se fossem ilimitados, tornaram-se mais audíveis e se espalharam globalmente. Na década de 1970, as Nações Unidas (ONU) criaram uma Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento. O Relatório Brundtland, «Nosso Futuro Comum», lançou o conceito de «desenvolvimento sustentável» em 1987 e emergiu gradualmente, entre organizações e movimentos da sociedade civil, um projeto educacional global, não explícito, para educar formal, não formal e informalmente rumo a «um novo modelo de civilização sustentável, do ponto de vista ecológico (ecologia integral), que implica transformar estruturas sociais, culturais e econômicas ”(Gadotti 2010, p. 42).
Originado em meados da década de 1990 em organizações sociais da Costa Rica (Instituto Latino-Americano de Pedagogia da Comunicação-Ilpec) e Brasil (Instituto Paulo Freire-IPF), o conceito de ecopedagogia pode ser usado para descrever esse movimento.
Entendemos as ecopedagogias como experiências de aprendizado, baseadas na abordagem educacional Freiriana, que promovem a alfabetização ecopedagógica: a capacidade de ler criticamente as injustiças ambientais, tomar consciência de suas causas políticas e econômicas e explorar as possibilidades de superar as opressões, agindo coletivamente.
Apesar das conquistas alcançadas pelos movimentos sociais nas últimas décadas do século XX e no início deste século, em 2015 era possível ver sinais preocupantes de que a alfabetização ecopedagógica estava longe de ser generalizada. Naquele ano, enquanto 193 chefes de governo se reuniam em uma Assembleia da ONU para aprovar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 2030, os padrões de produção e consumo continuavam cada vez mais insustentáveis, o aquecimento global atingia níveis catastróficos e as necessidades básicas da maior parte da humanidade não estavam sendo atendidas. Em 2019, embora os impactos das mudanças climáticas e o declínio da biodiversidade fossem cada vez mais alarmantes, os líderes políticos de direita e seus apoiadores continuavam a se recusar a admitir que a causa deste processo é a influência destrutiva do modelo econômico capitalista no equilíbrio dos ecossistemas da Terra. E, além disso, a grande maioria, incapaz de ler o mundo como Freire (1974) propôs, é prejudicada em sua capacidade de agir e provocar mudanças.
Esta situação indica a importância da continuidade e do aprimoramento de campanhas e movimentos sociais globais que educam as cidadãs e os cidadãos para enfrentar, disputar e desconstruir o imaginário dominante. Estas iniciativas são transformadoras, quando promovem a emancipação mental, mostrando que os seres humanos têm a chance de lidar construtivamente consigo mesmos e com os desafios planetários que enfrentam. Elas promovem a alfabetização ecopedagógica, ao fazer com que mais pessoas leiam criticamente suas realidades e entendam como atos nocivos ao meio ambiente causam opressão aos seres humanos (aspectos antropocêntricos) e danos a tudo o que constitui a Terra (aspectos biocêntricos). Elas promovem a compreensão da política por trás destes atos e incentivam a resolução de problemas relacionados à forma de acabar com as opressões socioambientais (Misiaszek 2018).
Neste texto, apresentaremos um exemplo destas iniciativas planetárias e ecopedagógicas que fortalecem a mobilização social para construir alternativas econômicas, culturais e ambientais aos imperativos sistêmicos do capitalismo, ao reforçar os princípios e valores da cooperação, inclusão e emancipação social: a Campanha por um Currículo Global da Economia Social Solidária – CGESS. Uma de suas características distintivas é ter sido concebida e lançada por organizações sociais pertencentes ao Sul Global, termo cunhado por Boaventura Santos (2006) para expressar um amplo campo de inovação, que vai além do pensamento eurocêntrico moderno, desafiando pressupostos coloniais, capitalistas e patriarcais e dando voz a culturas e conhecimentos que haviam sido silenciados (https://curriculumglobaleconomiasolidaria.com/). Outra característica notável da Campanha é seu propósito explícito de fortalecer, ampliar e reunir políticas educacionais, bem como processos educacionais formais, não formais e informais, que possam reconhecer e incluir outras formas de conhecimento, compreensão e transformação de realidades, trabalhando em direção a um novo projeto de sociedade, baseado em princípios de economia social solidária.
É possível dizer que a iniciativa da Campanha por um CGESS está em sintonia com o que alguns autores chamam de movimentos da sociedade civil global rumo à Grande Transição para uma civilização planetária, onde serão superados o atual modelo de economia destrutiva, predadora da Natureza , bem como as interações sociais por ele estimuladas, marcadas pelo individualismo, competição e violência.
Lançada em 2016 pela Rede de Educação e Economia Social Solidária-RESS, e depois reforçada por outras redes e organizações na América Latina, África, América do Norte e Europa, a Campanha por um CGESS é um processo planetário autogerido de mobilização social rumo a um projeto de sociedade não capitalista. Este processo envolvia, em 2019, 20 países, 6 redes internacionais e 54 instituições, entre organizações sociais, movimentos sociais, universidades e escolas democráticas dedicadas à Educação para a Cidadania Global e a Cultura da Paz.
A Campanha nasceu em reuniões promovidas na década de 90 por Bienaventurados los Pobres, BePe, uma organização argentina membro da RESS, que apoia um sistema comercial alternativo entre grupos comunitários rurais e urbanos de Catamarca e outras províncias que, ao buscar propostas de vida alternativa, constrói na prática um currículo educacional não formal.
Em 2010, começou a tomar forma nas comunidades rurais de Santiago del Estero, como uma proposta para tornar concreto e visível um Currículo da Economia Social Solidária, o que incluiria experiências educacionais não formais e informais e não apenas currículos escolares e universitários. A ideia germinou no Congresso Latino-Americano de Educação e Economia Social Solidária, realizado em 2014 pela Associação das Famílias com Identidade de Horticultura – AFIH e nos Fóruns para Outra Economia, promovidos pela RESS.
Em outubro de 2016, este grupo de ativistas sociais entrou em diálogo com a iniciativa Currículo Global para a Sustentabilidade, liderada pelo Centro de Criação de Imagem Popular – CECIP, Brasil – uma linha de ação que emergiu do Projeto Currículo Global, financiado pela Comunidade Europeia (2010-2012), sobre Educação para a Cidadania Global. Logo depois, tendo como pano de fundo da Agenda 2030 / Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, recentemente aprovada pela ONU, decidiu-se tornar público um “Convite para participar da Campanha por um CGESS”. O Convite declarava que uma educação transformadora, que inclui fortalecer a cidadania global (ODS 4.7), é essencial para superar o capitalismo, uma condição prévia para alcançar todos os outros ODS, e afirmava que a Campanha estava em sintonia com os processos globais tornados visíveis pelo Fórum Social Mundial – FSM.
A Campanha por um CGESS pode demonstrar que iniciativas globais semelhantes são capazes de contribuir melhor para a alfabetização ecopedagógica dos envolvidos, quando adotam processos de construção de baixo para cima, formas democráticas, solidárias e não mercantis de funcionamento, com foco no fortalecimento do coletivo e quando oferecem uma perspectiva unificadora, uma visão de um mundo sustentável e um contexto organizacional para a ação. O que se faz nessas campanhas é alfabetização ecopedagógica, pois elas ajudam a criar novas leituras do mundo, capazes de motivar ações para transformar estruturas que geram opressão, desigualdade e injustiça.
Sem patrocinadores externos e apenas com a solidariedade de seus membros, a Campanha por um CGESS promove a articulação entre diferentes agentes de mudança social em todo o mundo, que aderem a uma Carta com 17 Princípios, elaborada coletivamente. Além disso, até 2019 a Campanha já organizara conversações virtuais e reuniões presenciais em cidades de três continentes. Para manter o intercâmbio entre os participantes destes vários grupos, as práticas de participação on-line são promovidas dentro da estrutura da Dinâmica de Extensão do FSM. Com isso, a convergência de iniciativas e processos é estimulada e apoiada.

Mapa Mundial de Ferramentas Pedagógicas de Educação para a Economia Social Solidária
Um exemplo poderoso de como a Campanha por um CGSSE promove alfabetização ecopedagógica, é o seu Mapa Global de Ferramentas. O Mapa tem seu banco de dados alimentado por contribuições gratuitas, recebidas no site ou por e-mail e está em permanente processo de construção e aprimoramento. Com apoio da Socioeco (www.socioeco.org), um site com recursos pedagógicos relativos à Economia Social Solidária, o Mapa é independente da tecnologia comercial. O formato «Mapa» tem a finalidade de tornar visível o grande número de iniciativas transformadoras em todo o mundo, quebrando o senso de isolamento e empoderando agentes sociais coletivos.
Além de disponibilizar uma série de ferramentas com potencial para desenvolver a alfabetização ecopedagógica, o próprio Mapa é um exemplo de ferramenta ecopedagógica, pois permite uma leitura da diversidade e da interconexão dos aspectos envolvidos na superação da opressão e na construção de uma sociedade sustentável, impulsionada pela Economia Social Solidária. Na realidade, reúne e facilita a localização de ferramentas dos mais variados tipos: guias, manuais, jogos, vídeos, não apenas em Educação para a ESS strictu sensu, mas também em Sustentabilidade Ambiental, Educação Descolonial, Direitos Humanos, Cidadania Global, Democracia Radical, Cultura de Paz, Diversidade, questões de Gênero e questões Raciais.
O Mapa é coerente com uma visão de Economia como uma ciência moral: as atividades econômicas humanas devem estar a serviço da humanidade e da Natureza. Além disso, reflete a concepção do economista brasileiro Paul Singer (2010), da ESS enquanto abordagem visceralmente democrática, oposta a qualquer tipo de opressão e discriminação. Este recurso promove a alfabetização ecopedagógica, ao mesmo tempo em que contribui para tornar transparente que a ESS promove a integração entre as interações com a Natureza e o pensamento socioeconômico. Isto, porque a ESS considera que o cuidado e a sustentabilidade ecológica devem ser princípios orientadores, em todas as sociedades, da transformação das práticas de organização da economia, da vida social e cultural e do poder.
O Mapa pode aprofundar e ampliar o entendimento de que outra lógica, baseada na cooperação e não na competição, está presente no mundo, organizando atividades humanas relacionadas à satisfação das necessidades de toda a ordem (não apenas estritamente econômicas, como produção, distribuição, consumo de bens, poupança, empréstimos), para prevenir e eliminar a distribuição desigual do poder.
Os princípios ecopedagógicos nos quais a construção do Mapa de Ferramentas se baseia estão implícitos nas palavras de uma socióloga participante da Campanha por um CGESS, quando afirmou em uma atividade do FSM 2018, que o conceito de ESS pode ser visto como um grande «guarda-chuva» que abriga concepções diferentes, com algo em comum: «São experiências orientadas por outra lógica, não opressiva, onde processos democráticos são construídos a partir da base. O que os une é um componente ético, que não se refere à reprodução expandida do capital, mas à reprodução ampliada da vida. A economia solidária não é um meio, é um fim, é um projeto de sociedade «.
Com o Mapa Global de Ferramentas, a Campanha por um CGESS, como muitas outras iniciativas planetárias, quer incentivar o crescente reconhecimento da natureza epistêmica dos movimentos sociais ligados ao ambientalismo, feminismo, anti-racismo, anticapitalismo / socialismo / comunitarismo, que estão forjando novos processos, conceitos, metodologias e experiências. Promove a alfabetização ecopedagógica, conscientizando a respeito da multiplicidade de aprendizagens em termos de metodologias e conceitos que emergem das organizações de ESS e das práticas alternativas delas derivadas; a identificação das denominações estabelecidas como referencias para as dinâmicas economicas locais de produção, comercio e também de troca de conhecimento – por exemplo as Mingas (trabalho colaborativo com vizinhos e amigos para realizar um objetivo) ou práticas organizacionais que acontecem em espaços onde se exerce a associatividade e a interassociatividade na construção do coletivo. Convida os membros da Campanha a investir tempo e expertise para registrar e coletar imagens e sons que possam ser exemplos de processos educacionais informais voltados à transformação das economias.
Uma necessidade essencial, ainda que desafiadora, de esforços semelhantes para promover leituras ecopedagógicas, é determinar até que ponto cada ferramenta no Mapa sistematiza ou estimula experiências educacionais interculturais interdisciplinares, que possam aprofundar a “compreensão das conexões entre os atos de violência ambiental e social (socio ambiental). É necessária uma reflexão rigorosa e completa sobre a determinação de ações para acabar com as opressões (isto é, participar de uma práxis transformadora)” (Misiaszek 2018). Dada a ausência de uma avaliação externa ou «controle de qualidade», a avaliação promovida será interna, onde todos os participantes serão convidados a responder perguntas como: até que ponto as ferramentas promovem ações em que o «Eu» é substituído pelo «Nós», a competição é substituída pela complementaridade e a autonomia individual pela interdependência? As ferramentas conseguem integrar abordagens cooperativas, perspectivas de gênero e perspectivas ecológicas, bem como conscientizar sobre o papel do capitalismo na destruição do meio ambiente?
Tomando os cuidados necessários, usando o pensamento crítico, será possível identificar e criticar as ferramentas de aprendizagem que tendem a reproduzir aspectos do imaginário capitalista patriarcal colonial, contribuindo assim para fortalecer os pilares institucionais da modernidade eurocêntrica, como o Estado-nação, o capital global, e a pressuposição de universalismo (Andreotti et al. 2018).
O Mapa representa um indicador concreto de que, em todos os continentes, existem pessoas organizadas em grupos que constroem, por meio da educação transformadora, alternativas solidárias e sustentáveis ​​ao atual modelo econômico destrutivo.
Reinventando o Conceito de Currículo: a Perspectiva Ecopedagógica
A Campanha por um CGESS procura ir além do conteúdo e registros no Mapa Global de Ferramentas Pedagógicas. Ela vê o Currículo Global como um ponto de encontro de experiências e processos de aprendizado que, em todo o mundo, buscam não apenas compreender, mas também transformar a realidade. Como caixa de ressonância para as organizações sociais, o CGESS estimula nas pessoas a capacidade de evocar e implementar práticas que geram pensamentos, ações, sentimentos, reflexões criativas e proativas, a desafiar os modelos patriarcais e coloniais , assim contribuindo na construção de um sistema econômico no qual a dignidade dos seres humanos e dos outros seres vivos é priorizada e seu ambiente vital é respeitado.
Como outras campanhas planetárias que promovem a alfabetização ecopedagógica, a Campanha por um CGESS implica um diálogo contínuo entre sistemas educacionais formais, processos educacionais não formais e educação informal, que surge de interações sociais diárias, movimentos ecológicos sócio políticos etc. As campanhas transformadoras adotam uma «visão ampliada» da educação, entendida como aprendizagem ao longo da vida, que inclui a aprendizagem de crianças, jovens, adultos e idosos dentro e fora de escolas e universidades.

Educação formal
A incorporação de abordagens ecopedagógicas na educação formal implica a adoção de uma posição política firme sobre as lutas ideológicas presentes no sistema mundial moderno. É essencial levar em conta a inseparabilidade de poder e educação e revisar as normas, costumes, crenças, linguagens e símbolos que se manifestam na estrutura e no funcionamento das instituições de ensino e nas interações de seus alunos e profissionais. O currículo formal é um espaço que pode contribuir para a domesticação de mentes, pode ser usado para perpetuar estruturas de poder que aprofundam injustiças ou para promover a alfabetização ecopedagógica. Neste último caso, convida à reflexão crítica que impulsiona a transformação e a libertação das consciências (Freire 1974). A transformação e libertação das consciências são facilitadas quando se questionam as normas socioeducativas e se tomam medidas para mudar e transcender os limites do que antes era percebido como a única possibilidade disponível.
Iniciativas como a Campanha por um CGESS encorajam aqueles que atuam em sistemas educacionais formais a criticar e mudar currículos regidos pela lógica cartesiana, que não refletem a complexidade da vida. Como disse um Professor, membro da Campanha, «vamos priorizar, em vez de ‘disciplinas’, a indisciplina criativa dos seres humanos, como uma força a favor da criatividade, do intelecto». Portanto, as práticas das instituições de ensino formal podem se constituir em arenas críticas para os movimentos sociais. Numa perspectiva ecopedagógica, a qualidade do conhecimento produzido por estas instituições deve ser avaliada de acordo com seu potencial transformador. Até que ponto elas contribuem para transformar relações injustas e desiguais e mudar estruturas que geram opressão?

Educação não formal e informal
Um currículo que inclui e transcende os currículos das instituições educacionais formais é concebido como um projeto coletivo dialogado, acordado, para educar formal, não formal e informalmente para a mudança social; como diálogo de culturas, processos políticos e conhecimentos profundamente vinculados à vida e às pessoas. Por exemplo, a Campanha por um CGESS abraça o potencial de processos educacionais que muitas vezes não são reconhecidos como tais, como os desenvolvidos pelos movimentos sociais por meio de suas lutas, gerando alfabetização política.
Baseado em um acordo geral sobre a visão de mundo a que se deve servir, o CGESS deve ser um espaço onde diversas ecologias do conhecimento convergem (Santos 2011), envolvendo a prática, a sabedoria e a experiência das pessoas no contexto cotidiano. Deve ser capaz de integrar diversas realidades em uma ação cooperativa.
Conclusões
Para promover alfabetizações ecopedagógicas, é necessário mobilizar a energia e o capital intelectual dos envolvidos na construção de uma Economia Social Solidária, para ressignificar estruturas sociais; regenerar e consolidar relações de solidariedade em todas as áreas da interação humana- dos níveis individual, familiar, comunitário e trabalhista aos globais. A criação de valores e compromissos tangíveis é forjada pelas e para as comunidades, impulsionando a prática de princípios como respeito à dignidade de cada pessoa, colaboração, criatividade, autonomia, participação democrática, responsabilidade e cuidado de si, do outro e da Mãe Terra.
Campanhas ecopedagógicas e outras iniciativas da sociedade civil global, como a apresentada aqui, rompem a hierarquia estabelecida entre diferentes tipos de conhecimento, que vários pesquisadores consideram como colonização epistêmica, uma das expressões da colonização do poder (Santos 2011). A descolonização do conhecimento anda de mãos dadas com a rejeição da dominação e da acumulação de lucros que colocaram o conhecimento e a técnica a serviço da ambição de poucos. Assim, está sendo construída uma sociedade, onde será possível corrigir o imenso desequilíbrio planetário na distribuição de poder. Essas iniciativas contradizem o fatalismo neoliberal. Elas promovem uma Pedagogia da Esperança, considerando, com Paulo Freire, que a utopia é o realismo do educador.
Referencias

Andreotti, V., Stein, S., Susa, R. (2018). From the house that
modernity built to healthy mycelium. Decolonial Futures Collective.
Freire, P. (1974). Pedagogy of the oppressed. New York: Seabury Press.
Gadotti, M. (2010). A Carta da Terra na Educação. São Paulo: Instituto Paulo Freire.
Misiaszek, G. (2018). Educating the global environmental citizen. New York: Routledge.
Santos, B. (2011). Epistemiologías del Sur. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO.
Singer, P. (2010). Economia Solidária e Saúde. Invenções Democráticas. São Paulo: Nupsi-USP.

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